‘’ Uma criança pode contorná-la. As mãos se tornam inúteis, esfolam-se pelas paredes. Eu amei o sangue desde que provei o seu. O mundo passa pela minha cabeça, mas não é o céu, é claro. Não lembro de mais nada. Ah, como fui jovem um dia!
Ela estava quente. Foi então que eu saí da maldade. Parei de gritar. Eles disseram que eu era razoável. Pessoas passam pela ponte. De longe, não são ninguém. Estou na rua, no meio das pessoas. Catorze anos se passaram. Até das mãos dele eu mal me lembro. A dor eu lembro um pouco. De tudo. De nada. Pensarei nesta história como o horror do pensamento. Tenho certeza. Você pensa que sabe, mas não. Nunca...
Eu encontro você. Lembro-me de você. Esta cidade foi feita para o amor. Você foi feito na medida do meu corpo. Quem é você? Você está me matando. Eu tinha fome. Fome de infidelidade, de adultério, de mentiras e de morrer.
Desde sempre. Eu sabia que um dia você cairia sobre mim. Eu o esperava com impaciência sem limite. Calmamente. Devore-me. Deforme-me à sua imagem, para que ninguém, depois, possa entender o porquê de tamanho desejo. Nós ficaremos sozinhos. A noite não acabará. O dia não nascerá mais para ninguém. Nunca. Nunca mais. Enfim. Você ainda está me matando. Você me faz bem. Prantearemos o dia morto com consciência e boa vontade. Não teremos mais nada há fazer senão prantear o dia morto. O tempo passará, o tempo somente. E virá o tempo em que não saberemos dar nome ao que nos unirá. O nome se apagará aos poucos de nossa memória depois desaparecerá por completo. ‘’
Hiroshima Meu Amor - Alain Resnais